INTRODUÇÃO
Anualmente, países como o Brasil consomem grande bloco de recursos com a aquisição de bens, contratação de prestadoras de serviços e de empresas para a realização de obras. De acordo com o regime constitucional brasileiro, via de regra, quando um órgão ou entidade pública adquire bens, como remédios, materiais cirúrgicos, livros escolares, veículos de transportes, a prestação de serviços, a realização de obras ou a alienação de bens, a Administração Pública necessita realizar processos seletivos, os quais denominamos licitações, para a escolha do agente privado que será contratado com o objetivo de atendimento dessas pretensões contratuais.
A proporção de recursos públicos envolvidos nas licitações é enorme, representando relevante parcela do PIB. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), este montante representa cerca de 13% do PIB nacional[3] em relação a seus países membros. Cada país consome grande parte de seu orçamento com contratações públicas, instrumentalizando suas ações administrativas e executando suas políticas públicas, entre elas proteção ao meio ambiente e medidas de impacto social[4], motivo pelo qual a busca de eficiência das contratações públicas representa grande desafio a ser superado.
No Brasil, a eficácia resultante desses valores é prejudicada não apenas por atos de fraude ou corrupção, mas também pela baixa eficiência dos modelos de seleção e de contratação estabelecidos.[5] Questiúnculas formais ampliam demasiadamente os custos transacionais e aumentam o fosso de ineficiência econômica entre a pretensão contratual[6] e a contratação do fornecedor apto a atendê-la, uma vez que o modelo de seleção é marcadamente burocrático e formalista, implicando redução da competitividade e aumento dos custos transacionais. Preocupações formais como: quantidades de fontes para a estimativa de custos; publicação do edital em jornal de grande circulação e diários oficiais; requisitos de habilitação estranhos à estrita função de garantia do cumprimento das obrigações; extensos instrumentos contratuais, entre outros, constam em todos os procedimentos licitatórios, sem uma avaliação de suas consequências para a distante busca por uma proposta mais vantajosa.
Fica evidente que, por vezes, os modelos licitatórios estabelecidos prestigiam uma visão formalista e dogmática, em detrimento de uma leitura econômica, percebida esta como uma análise científica do comportamento, para que se estabeleça um padrão normativo útil para avaliar o direito e as políticas públicas, pela compreensão de que as leis devem ser instrumentos para atingir importantes objetivos sociais[7].
Nas últimas duas décadas, inovações tecnológicas e uma verdadeira revolução na forma de se comunicar afetaram não apenas as relações pessoais, mas também as relações contratuais. O mundo mudou, o que repercutiu em novas formas de contratação, em novos serviços e até em novas necessidades a serem supridas pela máquina administrativa, nem sempre compatíveis com a as rotinas concebidas sob a visão do legislador da década de 90. Novas formas de comunicação e de contratação surgiram, sem o pertinente acompanhamento e adaptação do regime jurídico licitatório e contratual.
No presente texto, buscaremos traçar um breve panorama do regime jurídico licitatório brasileiro e analisar a possibilidade de evolução de nosso sistema de contratações públicas, ao menos parcialmente, para um ambiente de maior agilidade e menores custos transacionais, com a possível adoção de um e-marketplace público.
2. ASPECTOS DE TEORIA ECONÔMICA DAS LICITAÇÕES NO CASO BRASILEIRO
O Poder Público é um importante consumidor de bens e serviços. Para firmar as respectivas contratações, a máquina administrativa se submete a um procedimento, mais ou menos rigoroso, de seleção do fornecedor apto ao atendimento da pretensão contratual, que nada mais é do que a necessidade administrativa a ser suprida através de definida atividade a ser realizada por terceiro (ou terceiros) e pactuada através de contrato.
Contrato, por sua vez, pode ser compreendido como “uma transação de mercado entre duas ou mais partes”[8], existindo justamente para facilitar as trocas, regulando os interesses divergentes, conferindo maior segurança aos negócios e desestimulando o inadimplemento. Contudo, é impossível, ou economicamente inviável, estabelecer nos contratos todas as circunstâncias que podem afetá-los no decorrer de sua execução. De tal forma que, na prática, não estão a salvo da incompletude, o que exige reflexão para sua elaboração, bem como a definição de quem decidirá sobre as lacunas deixadas pelas cláusulas contratuais[9]. Isso é importante porque a “primeira finalidade do direito contratual é possibilitar que as pessoas cooperem convertendo jogos com soluções não cooperativas em jogos com soluções cooperativas”[10].
Nesse contexto, são estabelecidos procedimentos para a seleção do fornecedor a ser contratado pela Administração Pública. Alguns modelos priorizam o estabelecimento de ritos com rígido controle (steps de controle), imbuídos do intuito de evitar desvios; outros incentivam a eficiência econômica da contratação, com formatos mais céleres ou flexíveis para o atendimento da pretensão contratual. É muito comum, no entanto, que modelos estabelecidos de forma mais rígida e repletos de steps de controle admitam formatos mais céleres e flexíveis para determinadas pretensões contratuais.
No Brasil, a Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93) estabelece um rito repleto de controles que, por vezes, foi acentuado pelo trabalho da doutrina e da jurisprudência na interpretação de suas regras. Isso ocorre, por exemplo, nas contratações de pequeno valor ou nas demandas emergenciais, uma vez que para elas o legislador expressamente dispensa a realização do procedimento licitatório em sua integralidade, admitindo as denominadas “contratações diretas”. Também é identificável em regras criadas para períodos específicos ou de exceção, como se verifica no regime excepcional admitido pela Lei federal nº 13.979 de 2020, para contratações públicas destinadas ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, em que não apenas a licitação, mas diversos steps de controle da fase de planejamento (interna) e de contratação foram mitigados.
É oportuna a reflexão de que estas ressalvas legais ou regimes excepcionais indicam que o legislador, embora optando genericamente pelo viés mais burocrático ou formalista, tem compreensão de que suas rotinas de controle impõem custos e, de certa forma, podem prejudicar a eficiência do processo de contratação pública.
No Brasil, uma análise histórica demonstra que há alternância entre modelos licitatórios com características “minimalistas”, com ausência de regras detalhistas para regular o comportamento do agente público envolvido na seleção e contratação do fornecedor, e modelos com características “maximalistas”, nos quais são estabelecidas regras “detalhistas, minuciosas e abrangentes, restringindo ao máximo a margem de liberdade daqueles que a ela se submetem”[11].
Se nas primeiras “legislações licitatórias” brasileiras, como o Decreto nº 15.783/1922[12] (Regulamento de Contabilidade Pública da União) e o Decreto-Lei nº 200/1967[13], identificamos modelos minimalistas; no avançar do século passado, com o Decreto-Lei nº 2.300/1986 e, sobretudo, com a Lei nº 8.666/93, temos o ápice do modelo maximalista, na legislação licitatória brasileira, com diplomas que esmiuçaram detalhadamente os procedimentos, restringindo a discricionariedade administrativa na tomada de decisão e prestigiando procedimentos rígidos de controle para a ação dos agentes públicos.
Em relação à Lei nº 8.666/93, convém registrar que sua aprovação ocorreu em período turbulento da vida social e política do país, poucos anos após a aprovação da atual Constituição Federal de 1988, que, de certa forma, tornava necessária a reforma da legislação licitatória preconizada pelo Decreto-Lei nº 2.300/1986. A discussão do Projeto de Lei, que posteriormente originaria a Lei nº 8.666/93, foi afetada por escândalos na seara política que acabaram culminando no impeachment do Presidente Fernando Collor, primeiro Presidente eleito diretamente, após a redemocratização.
O maior “pecado” da nova Lei nº 8.666/93 foi já ter “nascido velha”, repetindo a plataforma do Decreto-Lei 2.300/1986, com uma leitura formalista e não econômica do processo de contratação. Perdeu-se a oportunidade de vislumbrar o mundo novo que se apresentava com a revolução tecnológica e social causada pela comunicação em rede e pela transferência de dados através da internet, com suas repercussões na própria atuação do mercado e da Administração Pública.
Assim, embora o “mundo virtual” já fosse uma “realidade” na vida das pessoas e da própria atuação administrativa (embora, bem verdade, com amplitude menor que a dos tempos atuais), a Lei nº 8.666/93 nasce totalmente analógica, apegada a ritos formalistas e a uma concepção ainda isolacionista de funcionamento da Administração Pública.
Diante de seu caráter detalhista, aliado a certo conservadorismo dos órgãos responsáveis pela sua interpretação e aplicação no âmbito administrativo, como Tribunais de Contas, Controladorias e Procuradorias, restaram restringidas as possibilidades de atualização e adaptação da Lei Geral aos novos tempos que se descortinavam. Outrossim, refletindo uma tendência identificada na própria doutrina do Direito Administrativo pátrio, a Lei Geral de Licitações ignorava uma percepção econômica de suas regras, desprezando as evidências de que seu formalismo gerava empecilhos à competitividade e diversos custos transacionais que afetavam o resultado do processo seletivo e da própria execução contratual[14], além de prejudicarem a atratividade do procedimento.
Fiúza[15] indica diversos custos de transação pertinentes ao tradicional procedimento licitatório, entre eles: todos os custos econômicos (incluindo custos de oportunidade) diretos e indiretos, custos de recursos materiais (papel, computadores, meios de comunicação, serviços gráficos) e de recursos humanos (pessoa-hora) envolvidas nos trâmites burocráticos, incorridos pela própria Administração. Muitas vezes, este “custo transacional burocrático” consome recursos superiores aos dispendidos para a futura contratação[16], o que já foi registrado em estudo feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), segundo a qual 85% dos pregões eletrônicos em órgãos federais seriam “deficitários”, tendo em vista que o dispêndio administrativo para realização superava a economia proporcionada pela concorrência, em relação ao preço de referência do edital.[17]
É necessário ainda compreender que um modelo burocrata e maximalista não amplia os custos transacionais apenas sob a perspectiva do órgão licitante, mas também do fornecedor interessado. A leitura técnica e responsável de longos e complexos editais, a emissão das certidões pertinentes, viagens para a participação em sessões presenciais, as prerrogativas contratuais extraordinárias da Administração, entre outras peculiaridades, ampliam o custo e o risco da disputa pelo fornecimento ao Poder Público. Quanto mais trâmites burocráticos e quanto maior a incerteza sobre a conclusão do processo de compra, maiores se tornam os riscos das firmas participantes da licitação, sendo os custos de transação todas essas constrições econômicas que dificultam ou impedem os agentes de mercado de pactuar uma operação que parece lucrativa[18].
Diante das mudanças geradas pela revolução tecnológica e potencialidades da comunicação em rede, bem como pelos novos formatos de contratação e novas tecnologias surgidas, a defasagem da Lei nº 8.666/93, com seu caráter nitidamente analítico e detalhista, ficou cada vez mais patente, exigindo constantes alterações legislativas. Nesse sentido foram editados vários diplomas normativos secundários ou complementares, como a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), a Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações) e a Lei nº 13.303/2016 (Lei das estatais), além de incontáveis regulamentações infralegais.
A Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) trouxe grande impacto, apresentando um procedimento mais célere, voltado para contratações de bens e serviços comuns. Este conceito inicialmente envolvia contratações de menor complexidade, padronizadas no mercado, o que permitia a utilização da novel modalidade com características específicas, como: a inversão de fases, a disputa por lances e a fase de negociação, maximizando a possibilidade de escolha da proposta mais vantajosa[19]. Com a regulamentação desta Lei, notadamente pelo Decreto federal nº 5.450/2005 e, mais atualmente, pelo Decreto federal nº 10.024/2019, o Brasil avançou largamente para a utilização das licitações eletrônicas (e-procurement), com a modalidade pregão eletrônico, que hoje já representa a modalidade licitatória mais utilizada por órgãos e entidades federais.
A Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações) e a Lei nº 13.303/2016 (Lei das estatais) romperam o paradigma anterior, de modalidades estáticas que deveriam ser utilizadas de acordo com o objeto ou o valor da licitação, para estabelecer “modalidades flexíveis”[20], que, além de admitir e tornar preferencial o formato eletrônico (e-procurement), agregavam a possibilidade de definição discricionária do rito procedimental e da utilização de ferramentas, admitidas pelo legislador, com o objetivo de propiciar a seleção da melhor proposta contratual possível.
Em relação à Lei nº 13.303/2016 (Lei das estatais), ela ainda inova ao permitir a interessante regra de “não observância das regras licitatórias”, em seu §3º do artigo 28[21], admitindo que, para pretensões contratuais relacionadas às “atividades diretamente relacionadas ao objeto social” ou às chamadas “parcerias estratégicas”, elas possam estabelecer procedimentos seletivos próprios para a escolha de fornecedores ou parceiros. Esta abertura permite uma janela de oportunidade para que, em situações compatíveis, modelos seletivos mais eficientes possam ser testados.
Importante que futuras alterações normativas compreendam as inovações tecnológicas e sociais, libertando-se da plataforma legal representada pela Lei nº 8.666 de 1993, com sua lógica burocrática e formalista, para vislumbrar as potencialidades identificadas nas novas tecnologias, formas de comunicação e contratação, evitando que os novos diplomas não sejam concebidos com os mesmos “pecados” da atual Lei Geral de Licitações.
Hoje as compras rotineiras da vida privada são realizadas em poucos cliques, a partir de um computador pessoal, ou mesmo através de aplicativos em smartphones, que permitem pesquisa imediata de melhores preços e “ranking” de fornecedores, de acordo com seu histórico positivo ou negativo (signaling)[22]. No ambiente das contratações públicas, a seleção de fornecedores, mesmo para a aquisição de bens rotineiros e no formato eletrônico, ainda se dá através da publicação de edital de licitação, prazos mínimos de vários dias entre seu lançamento e a sessão para apresentação de propostas, além de diversas exigências formalistas dirigidas a interesses outros, diversos e nem sempre compatíveis com o ignorado objetivo de alcançar uma contratação de qualidade e com baixo custo.
O afã burocratizante ignora que os diversos steps de controle, ritos formais e rotinas de verificação imputam cada vez mais custos ao processo, que afetam toda a cadeia, com custos transacionais que acabam restringindo a competitividade dos certames públicos e majorando o preço alcançado na licitação.
Noutro diapasão, o modelo maximalista parece não ter identificado uma boa solução para evitar os desvios. Mesmo com a grande quantidade de normas e regulamentos detalhistas, muitos deles com evidente objetivo de ampliar o controle dos processos seletivos ou mesmo das relações contratuais firmadas, é alarmante o grau de corrupção identificado no âmbito das contratações públicas, prejudicando a alocação dos investimentos nos setores mais necessitados. Segundo publicação da OCDE, o custo da corrupção equivaleria a mais de 5% do PIB global, do que resultaria uma estimativa de algo superior a 1 trilhão de dólares desviados[23].
Neste quadro, pensar em modelos diferentes, que reduzam os custos transacionais e ampliem a transparência e a competitividade, pode ser uma solução para a maximização da eficiência nas contratações públicas.
Nesta feita, pretendemos analisar a experiência de utilização de e-marketplace para as licitações públicas, suas vantagens e riscos, abordando a experiência internacional e as potencialidades de sua adoção no Brasil.
3. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL DA UTILIZAÇÃO DO E-MARKETPLACE PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
É cediço que cidadãos e empresas têm avançado cada vez mais na utilização do ambiente virtual para determinadas contratações, notadamente as aquisições de bens. Grande parte das contratações rotineiras são realizadas hoje através da internet, nos chamados e-marketplace, espaço virtual onde potenciais contratações são oferecidas e pactuadas.
Se é comumente visualizado como instrumento de vendas das empresas para os consumidores, a ferramenta, pela agilidade e redução e custos transacionais, tem avançado em diversos campos. Podemos falar que o e-marketplace é comumente utilizado para diversos tipos de negócios, como: Empresas para Empresas (B2B – Business to Business); Empresas para Consumidores (B2C – Business to Consumer); Consumidores para Consumidores (C2C – Consumer to Consumer); Empresas para Governo (B2G – Business to Government) e Governo para Cidadão (G2C – Government to Citizen)[24].
Se os cidadãos e as empresas encontraram no campo virtual um ambiente propício para suas transações, por quais motivos a Administração pública também não estaria inserida neste mesmo ambiente? Governos e gestores públicos não podem ignorar as mudanças que ocorrem como resultado da utilização da tecnologia da informação e comunicação[25].
No geral, a implementação de plataformas eletrônicas para as relações estabelecidas entre a Administração Pública e os administrados (E-Government) permite várias vantagens como: maior eficiência, redução de custos e economia; economia de tempo; melhor comunicação entre governos com empresas e cidadãos; acesso online de serviços; transparência e menos burocracia[26].
Segundo Joe Moon, o denominado Governo Eletrônico (E-Government) inclui quatro principais aspectos: a) uma intranet governamental segura e de um banco de dados central para uma interação mais eficiente e cooperativa; b) prestação de serviços baseados usando a plataforma Web; c) o uso do e-commerce para transações governamentais, como compras e contratações de serviços, com mais eficiência; d) implementação de uma democracia digital para maior responsabilização e transparência do Governo[27].
Nas contratações, imagina-se que as plataformas eletrônicas podem facilitar a comunicação entre os órgãos públicos e também a comunicação com as empresas, criando um mercado aberto e uma economia mais forte[28]. Essa convicção é, contudo, relativa. Em pesquisa feita sobre a evolução do governo eletrônico entre os municípios, Joe Moon sustentou que, embora o governo eletrônico tenha ajudado muitos municípios a tornar os processos de negócios mais eficientes, nem todas as cidades experimentaram economia de custos administrativos, redução relevante nos custos de compras ou no número de funcionários destacados para essas atividades. Segundo ele, os resultados da pesquisa podem indicar que muitos administradores públicos percebem que as iniciativas de governo eletrônico economizam tempo, mas geralmente exigem mais conhecimentos técnicos e habilidades para os funcionários, não sendo necessariamente eficazes no aumento no número de propostas, na melhoria da qualidade das propostas e na economia média de custos[29].
É uma avaliação questionável que merece reflexão.
Parece evidente que a utilização da internet reduz custos transacionais e pode ampliar a competitividade, contudo, em localidades nas quais a inserção neste ambiente ainda está em desenvolvimento, sobretudo por parte das empresas, pode haver impacto negativo, mesmo na competitividade. Em suma, falta de igualdade no acesso público à Internet, falta de confiança na segurança do ambiente virtual, cibercriminalidade, hipervigilância, falso senso de transparência e infraestrutura dispendiosa são pontos ressaltados pelos críticos, como desvantagens na implementação de sistemas de e-government[30].
Outro problema que merece ser pontuado envolve a delegação do e-marketplace público, para o setor privado, através de contrato. Isso ocorre quando, ao invés de construir ou contratar a terceiro uma confecção de seu próprio e-marketplace, o Poder Público opta por contratar um parceiro privado, que usará sua plataforma web para o fornecimento dos bens pretendidos.
Embora possam ser indicadas vantagens, este modelo pode ser objeto de severas objeções. Conforme publicação do “Institute for Local Self-Reliance”[31], a Amazon é alvo de críticas em seu recente movimento para atuar junto ao setor público. A empresa tem sido contratada para fornecer a órgãos públicos diversos tipos de materiais (escritório, educação, eletrônicos, entre outros) [32]. A contratação envolve a utilização de específica plataforma on line da Amazon, para que a contratação seja feita diretamente pelo órgão público.
Como grande parte dos bens oferecidos na plataforma não são diretamente vendidos pela Amazon, mas pelos fornecedores parceiros, isto amplia a posição dominante da referida empresa, notadamente enquanto e-marketplace. Tal posição pode afetar o acesso dos fornecedores à plataforma (que pagam a ela, segundo a publicação, 15% dos valores recebidos), afetando os preços oferecidos ao setor público contratante[33].
Por outro lado, a Amazon defende que a adoção de seu preço dinâmico é mais vantajosa que a tradicional opção de preços fixos, uma vez que o “mercado” decorrente da multiplicidade de fornecedores existentes na plataforma produz, naturalmente, preços mais baixos. Os autores da publicação lançam dúvidas sobre esse argumento, em razão da existência de certo controle da Amazon sobre a plataforma e das taxas cobradas dos vendedores. Há ainda, segundo a publicação, desconfiança de que a seleção que resultou na contratação da Amazon tenha sido formatada de maneira que apenas ela tivesse condições de realmente competir[34].
Mesmo com um e-marketplace próprio do órgão público, pragmaticamente falando, parece também relevante o impacto das compras eletrônicas nas relações comprador-vendedor, uma vez que o uso da tecnologia da informação não melhora por si só os níveis de confiança entre essas partes[35] nem afasta os riscos decorrentes da assimetria informacional ou de comportamentos oportunistas, podendo repercutir em inexecuções contratuais, problema acentuado pela baixa funcionalidade efetiva do filtro habilitatório estabelecido no regime de licitações da Lei nº 8.666/93. Se, no âmbito privado, o particular, ao iniciar suas compras eletrônicas, pode subjetivamente selecionar apenas fornecedores de notável credibilidade, no atual regime legal das licitações públicas tradicionais, as restrições à participação (habilitação) são estabelecidas de maneira formalista e pouco funcional, prestigiando a ampla participação nas licitações.
Outro problema está relacionado ao desejado fomento para as microempresas e empresas de pequeno porte, o qual pode ser afetado ou até desvirtuado nas compras eletrônicas em larga escala, já que grande parte das ME/EPPs não está inserida no comércio eletrônico. Embora não exatamente pelos mesmos motivos que podem ser identificados no Brasil, na União Européia tem-se identificado certa dificuldade para envolver os fornecedores de pequeno porte no processo de compras eletrônicas[36]. Esra Gurakar, citando Rasheed[37], sustenta que pequenas empresas experimentam dificuldades significativas no acesso aos mercados de compras governamentais, já que a maioria delas não possui a infraestrutura de tecnologia da informação necessária e funcionários treinados para a participação nos certames eletrônicos[38].
Em relação às vantagens, Simon Croom e Alistair Brandon-Jones analisam a experiência da implementação do e-procurement no setor público do Reino Unido. Eles ponderam que há duas áreas principais de benefícios: melhorias nos custos do processo e redução do preço de compra. Os pesquisadores ressaltam que há significativa diminuição dos custos associados ao processo de compras, em parte como resultado da especificação do sistema (por exemplo, erros de transmissão reduzidos, redesenho do processo), mas também por meio de maior conformidade com o processo e os contratos aprovados. Ademais, acrescentam que as informações aprimoradas de gerenciamento fornecidas pelas várias formas de sistemas de compras eletrônicas foram capazes de consolidar requisitos e melhorar as negociações de preços com fornecedores[39].
A contratação pública eletrônica tem um impacto na economia local e na forma como o mercado se relaciona na busca de suprimentos de soluções estratégicas. Também aumenta a concorrência, permitindo processos de tomada de decisão mais transparentes, combatendo a corrupção, reduzindo a burocracia , o tempo despendido e os custos da contratação.[40] Embora advirtam que o e-procurement ainda não é utilizado em todo o seu potencial, Engström, Wallstrom e Salehi-Sangari, em estudo sobre a implementação de contratos públicos eletrônicos em entidades governamentais da Suécia, corroboram a existência de benefícios como: economia de custos, aumento da conformidade dos contratos e aperfeiçoamento do controle de gastos, além da vantagem ambiental.[41]
Em suma, os defensores da contratação através e e-marketplace costumam argumentar que ela ajuda os governos a economizar dinheiro, fornecendo uma maneira mais responsável, mais eficaz e mais rápida para gerenciar compras, indicando pelo menos os seguintes benefícios potenciais: 1) custos de transação reduzidos; 2) pedidos mais rápidos; 3) escolhas mais amplas de fornecedores; 4) padronização mais eficiente do processos de compras; 5) maior controle sobre os gastos com compras (menor número de compras independentes) e melhor conformidade dos funcionários; 6) mais alternativas acessíveis para compradores; 7) menos papelada e menos
procedimentos administrativos repetitivos[42].
Vale ainda acrescentar importante benefício, pouco percebido no Brasil, o e-procurement pode oferecer aos compradores e vendedores uma nova forma de comunicação, facilitando a documentação do processo de licitação e reduzindo o tempo de contratação[43].
O Governo das Filipinas vem apostando no uso da Tecnologia da informação para seus procedimentos de compras. Segundo a Resolução Nº. 23-2013, que aprovou e definiu as Diretrizes para a licitação eletrônica (Guidelines for electronic bidding – E-BIDDING) as Filipinas utilizam a Tecnologia da Informação para promover a transparência e a eficiência nos procedimentos de compras. Neste prumo, o Sistema de Compras Eletrônicas do Governo das Filipinas (PhilGEPS) apoia a implementação da Licitação Eletrônica, incluindo a criação de formulários de oferta eletrônica, criação de caixa de oferta, entrega de envio de propostas, notificação ao fornecedor do recebimento de ofertas, recebimento de ofertas e avaliação eletrônica de ofertas, abrangendo, quando compatível, todos os tipos de compras de bens, projetos de infraestrutura e serviços de consultoria[44].
Na mesma toada, a legislação europeia e espanhola vem exigindo maior transparência e digitalização das administrações públicas e, particularmente, dos contratos públicos. Na Espanha, o processo de publicação de concursos públicos (como são chamadas as licitações por lá) originalmente em publicação oficial (formato em papel), evoluiu para redes de Plataformas Contratantes (formato eletrônico) que possibilitam uma extração massiva de dados, que podem ser coletados, o que permite maior transparência[45]. Em Portugal, as Diretivas da União Européia 2004/17/CE e 2004/18/CE influenciaram o regime jurídico nacional, induzindo mudanças amplas e profundas no Código de Contratos Públicos, com a adoção obrigatória de meios eletrônicos, o que tornou Portugal um país pioneiro no tema, entre os integrantes da União Européia[46]. Na Turquia, a Plataforma Eletrônica de Compras Públicas entrou em operação ainda em 2010, embora Gurakar e Tas defendam que os leilões de compras públicas turcos ainda forneçam resultados controversos[47].
De qualquer forma, entre experiências positivas ou não tão positivas, os membros da União Européia usam avisos eletrônicos em pelo menos 85% dos contratos, com muitos estados empregando notificação eletrônica mais de 95% do tempo[48].
A Índia também tem avançado na utilização de e-markeplace público, adaptando-se às mudanças tecnológicas e à facilidade que o ambiente virtual permite as trocas, pela redução de custos transacionais. Buscando melhorar a transparência da tomada de decisões no processo de compras públicas e reduzir as más práticas, o Governo da Índia, através de seu Ministério do Comércio e Indústrias decidiu criar seu e-marketplace para compras públicas, permitindo uma estrutura de preços competitiva, para contratações mais econômicas[49].
O governo indiano introduziu seu E-Marketplace (GeM)[50] em agosto de 2016, como um mercado eletrônico completo para facilitar a compra on-line de bens e serviços de uso comum, pelo setor público, de maneira transparente e eficiente[51], que em menos de três meses já contou com a inscrição de cerca de 290.000 vendedores e prestadores de serviços na plataforma[52].
De acordo com o “Manual de compras do E-marketplace governamental”, publicado em fevereiro de 2019, o e-marketplace governamental indiano visa aumentar a transparência, eficiência e velocidade nas compras públicas. O referido manual indica, por exemplo, que a plataforma fornece ferramentas de licitação eletrônica e leilão eletrônico reverso, admitindo também a adoção de preços dinâmicos[53]. Além disso, o uso da plataforma eletrônica eliminou a necessidade de vários níveis de verificação manual (“steps” de controle), reduzindo drasticamente o tempo de conclusão nas compras governamentais[54].
O Brasil não está alheio a esta mudança ou não poderia estar. Mesmo tendo como Lei Geral de Licitações um diploma normativo (Lei nº 8.666/93) não adaptado à era da internet, tem-se avançado para a utilização das licitações eletrônicas (e-procurement), notadamente com a ampla utilização do pregão eletrônico, para a seleção de particulares aptos ao fornecimento de bens e serviços comuns.
Este avanço, contudo, em parte pela defasada legislação, em parte pelo conservadorismo de seus intérpretes, ainda é limitado a pouco mais que uma sessão eletrônica de licitação, o que não representa todo o potencial admitido pela tecnologia, às contratações eletrônicas.
4. PRENÚNCIOS DE UM MARKETPLACE PÚBLICO NO REGIME LICITATÓRIO BRASILEIRO
Desde 2005, com a regulamentação do pregão eletrônico pelo Decreto 5.450/2005, já temos licitações eletrônicas (e-procurement) no Brasil. Este modelo, no âmbito federal, foi recentemente alterado pelo Decreto nº 10.024/2019, com relevantes modificações.
Mesmo no atual panorama normativo, podemos visualizar possibilidades para a adoção de modelos de e-marketplace governamental.
4.1. DA DISPENSA ELETRÔNICA
Uma primeira envolve a denominada “dispensa eletrônica”, criada pelo Decreto federal nº 10.024/2019, que disciplinou as novas regras para o pregão eletrônico.
Se o referido regulamento federal já trouxe interessantes novidades, com a possibilidade de orçamento sigiloso, diferentes modos de disputa (aberto e aberto/fechado), antecipação da apresentação dos documentos de habilitação, entre outros, para fins deste nosso estudo, chama a atenção sua previsão da denominada “dispensa eletrônica”. Adapta-se o procedimento de contratação direta aos instrumentos tecnológicos que dispomos na atualidade, permitindo mais transparência, isonomia e eficiência ao processo. Segundo o artigo 51 do referido Decreto, as unidades gestoras integrantes do Sisg adotarão o sistema de dispensa eletrônica, nas seguintes hipóteses:
I – contratação de serviços comuns de engenharia, nos termos do disposto no inciso I do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993;
II – aquisição de bens e contratação de serviços comuns, nos termos do disposto no inciso II do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993; e
III – aquisição de bens e contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, nos termos do disposto no inciso III e seguintes do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, quando cabível.
A dispensa eletrônica se apresenta como a expansão da antiga “cotação eletrônica”, prevista anteriormente no Decreto federal nº 5.450/2005 e regulamentada pelas regras da Portaria Nº 306/2001 do MPOG[55], como uma infraestrutura informatizada que permite a apuração do melhor preço de bens e serviços adquiridos pelo setor público, nas contratações de pequeno valor.
Vale ressaltar que a “dispensa eletrônica” foi além do que preconizava a conhecida “cotação eletrônica”, permitindo que o sistema seja também utilizado para contratação de aquisições e serviços comuns, não apenas nas dispensas de pequeno valor previstas no inciso II do artigo 24 da Lei nº 8.666/93, mas também nas demais hipóteses de dispensa, quando cabível.
É claramente um balão de ensaio projetado para a construção de um e-marketplace público, embora restrito às contratações diretas por dispensa.
Esta permissiva legal, bem regulamentada, pode fomentar a criação de uma plataforma de e-commerce pela Administração (e-marketplace público), para atendimento de demandas de baixo valor, reduzida complexidade ou necessidade de atendimento emergencial.
Quando da publicação deste artigo, a regulamentação do funcionamento da dispensa eletrônica, que será feita através de “ato do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia”[56] ainda não ocorrera; contudo, diante das recentes alterações identificadas na regulamentação do Decreto federal nº 10.024/2019, podem ocorrer avanços auspiciosos.
4.2 LEI FEDERAL Nº 13.303/2016 E A NÃO OBSERVÂNCIA DAS REGRAS LICITATÓRIAS
Uma segunda possibilidade pode ser identificada em relação às estatais. A Lei nº 13.303/2016 acresceu uma terceira espécie de exceção à obrigatoriedade de licitar que, diferenciando-se das tradicionais formas de contratação direta (dispensa e inexigibilidade), permite a “não observância” das suas regras licitatórias (previstas no capítulo I, de seu título II), nas seguintes situações:
– comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais;
– nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a “oportunidades de negócio” definidas e específicas, justificada a “inviabilidade” de procedimento competitivo.
Essa nova hipótese de exceção à obrigatoriedade de licitar, denominada como “não observância das regras licitatórias”, admite que estatais possam sublimar exigências burocráticas em relação à fase interna e externa, dando-lhe relativa liberdade para o estabelecimento dos procedimentos de seleção do fornecedor apto ao atendimento da pretensão contratual. Marçal Justen Filho corrobora esse raciocínio, ao definir que a distinção teórica entre a nova hipótese de exceção à obrigatoriedade de licitar (que ele denomina “inaplicabilidade” da licitação) está refletida na dimensão normativa, pois nelas não se faria “necessário o procedimento reservado para a dispensa e a inexigibilidade”, significando a desnecessidade de um procedimento formal, destinado a documentar com minúcia as características do caso concreto[57].
No mesmo prumo aponta Joel de Menezes Niebuhr, que defende existir nas hipóteses de “não observância das regras licitatórias” uma sutil diferença, em comparação às tradicionais hipóteses de contratação direta (dispensa e inexigibilidade), uma vez que enquanto estas ocorrem sob a perspectiva do direito público, as hipóteses de “não observância” se submeteriam preponderantemente ao regime de direito privado[58].
Pois bem, a permissiva criada pelo inciso I do §3º do artigo 28 pode abranger tanto as situações em que a estatal “vende” seus produtos e serviços, como as situações específicas de contratação de fornecedores diretamente vinculados ao exercício de sua atividade econômica principal. Segundo este raciocínio, a referida hipótese de inobservância das regras licitatórias pode se dar tanto na “venda” direta de produtos, serviços ou obras, pela estatal, como na “aquisição” de produtos, serviços ou obras vinculadas diretamente à venda anteriormente indicada, desde que especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais[59].
Esse pode ser o caso de uma estatal que atue na produção de medicamentos, como o Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (LAFEPE), que enfrenta grandes dificuldades para adotar o regime licitatório tradicional na aquisição e insumos e serviços diretamente vinculados a sua missão, qual seja “pesquisar, desenvolver, produzir e distribuir medicamentos”[60]. Muito provavelmente, para a aquisição de insumos, e de forma a ampliar a competividade, reduzir riscos que impactam no estabelecimento do preço (como a validade de uma Ata de Registro de Preços) e poder aproveitar custos de oportunidade mais reduzidos entre seus fornecedores, a criação do e-markeplace público poderia ser uma medida que maximizaria a eficiência na aquisição dos insumos utilizados pelo referido laboratório.
Em suma, diante da liberdade admitida pelo legislador, no §3º do artigo 28 da Lei nº 8.666/93, as estatais podem estabelecer procedimentos seletivos próprios para a escolha de fornecedores ou parceiros, seja em relação às atividades diretamente relacionadas ao objeto social, seja em relação às chamadas parcerias estratégicas, admitindo-se, inclusive, esta utilização para a aquisição dos insumos relacionados com seus respectivos objetos sociais.
Tal condição permite que estatais, assim como o setor estritamente privado, em algumas situações que se enquadrem nas permissivas do referido §3º do artigo 28, criem e-marketplace seja para a venda de seus produtos a potenciais clientes, seja para a contratação de fornecedores de insumos e serviços diretamente relacionados às atividades vinculadas a seu objeto social.
Em relação às potencialidades da implantação do e-marketplace público no Brasil, não obstante os obstáculos tecnológicos e jurídicos, as perspectivas nos parecem promissoras.
Nada obstante os prenúncios acima indicados, até então nossas licitações eletrônicas, embora adotando o ambiente virtual para a fase competitiva do procedimento, ainda guardam o modelo procedimental formalista característico das modalidades licitatórias tradicionais, repetindo exigências nem sempre eficientes, como a consulta a diversas fontes para a prévia estimativa de custos, a publicação do edital da seleção através de diários oficiais, requisitos de habilitação estranhos à estrita função de garantia do cumprimento das obrigações e extensos instrumentos contratuais, entre outros.
Pode-se dizer, no Brasil, não temos uma utilização do e-procurement em todo seu potencial, pois “virtualizamos” a sessão da licitação, mantendo, porém, os aspectos formais tradicionais concebidos sob a égide da Lei nº 8.666/93, notadamente em relação à fase interna e à fase contratual.
É possível, então, avançar para virtualização de outros passos, além da sessão de disputa propriamente dita, ampliando nossa concepção de e-commerce, através do estabelecimento de plataforma específica (e-marketplace). Em princípio, a expressão marketplace é utilizada para designar um local onde se faz comércio de bens e serviços, sendo o e-marketplace sua faceta no mundo virtual, para o comércio eletrônico.
5. POTENCIALIDADES DA IMPLANTAÇÃO DO E-MARKETPLACE PÚBLICO NO BRASIL
A utilização de e-marketplace é uma solução plenamente viável para o processamento célere e com redução de custos transacionais, pela Administração Pública. A atitude de adotar-se o ambiente eletrônico para o processamento das contratações passa pela decisão administrativa e política de simplificar o trajeto que liga a definição da pretensão contratual administrativa à escolha do fornecedor apto a atendê-la.
O e-marketplace público tem a peculiaridade de ser gerido pelo órgão público, ou um particular contratado para sua gestão, com o intuito de receber propostas e registrá-las, para ulteriores contratações. Sob o aspecto jurídico, o e-marketplace público poderia ser compreendido como um “procedimento auxiliar” moderno, apto à realização célere de diversos passos burocráticos, para atendimentos de ulteriores pretensões contratuais. Sob o aspecto técnico, ele seria uma plataforma eletrônica em que fornecedores seriam convidados e registrariam suas ofertas de preços para efetivas ou potenciais pretensões contatuais, que poderiam culminar em posteriores contratações.
Vale repisar que, mesmo em modelos licitatórios mais rígidos, é comum a relativização dos steps de controle e a admissão de formatos mais céleres e flexíveis para certas demandas contratuais da Administração. Assim, por exemplo, identifica-se na Lei nº 8.666, de 1993, as chamadas dispensas de licitação, que representam permissivas legais para que o rito procedimental licitatório seja simplificado, sem deixar de representar, sob certo aspecto, um processo de seleção do fornecedor apto ao atendimento da pretensão contratual. Da mesma forma se dá nas hipóteses de “não observância das regras licitatórias” previstas pelo §3º do artigo 28 da Lei nº 13.303/2016.
Há vantagens e desvantagens que podem afetar as contratações públicas com esta mudança de paradigma. A utilização do pregão eletrônico, por exemplo, há anos tem gerado redução nos valores das contratações[61], mas, por outro lado, acentuou os problemas na execução contratual e pode fragilizar políticas de beneficiamento do comércio local.
Pela experiência internacional, parece senso comum que, ao menos em princípio, o uso do e-marketplace público é vocacionado para produtos e serviços genericamente padronizados[62], o que se aproxima do conceito dado pela nossa legislação aos “bens e serviços comuns”, definidos pela Lei nº 10.520, de 2002, no parágrafo único de seu artigo 1º, como sendo “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.
Definido esse escopo de atuação para a plataforma de e-commerce, pode haver inevitável impacto na simplificação do procedimento e centralização das contratações compatíveis. Isto porque, se a tendência do modelo tradicional é de que cada órgão ou entidade autue processo que formalizará o trajeto desde a formação da pretensão contratual até a homologação do certame, de maneira isolacionista, na maioria das vezes, com um e-marketplace público, parte desse trajeto estará incorporado a um ambiente virtual no qual tais atos serão realizados de maneira compartilhada, mitigando a necessidade de sua repetição em cada autuação feita, o que pode reduzir custos transacionais, facilitar a padronização e transparência, além de ampliar a competitividade.
Procedimentos como especificação de bens, estimativa de custos (pesquisa de preços) e análise jurídica podem ser mitigados neste novo modelo, em princípio, apto a contratações despidas de complexidade ou padronizadas.
Interessante que a adoção de um e-marketplace público pode permitir maior transparência e, de certa forma, competição, mesmo em relação a pretensões contratuais para as quais o legislador permitiu não se realizar uma licitação propriamente dita. Esta reflexão é feita também em países, como Portugal, onde o percentual de contratações diretas (ajuste direto) é muito ampliado[63].
Diante da ausência das mesmas amarras procedimentais e ritos definidos pelo modelo tradicional de licitação, poder-se-ia utilizar, de acordo com preceitos da teoria dos leilões (“auction theory”), formatos flexíveis de aferição do fornecedor contratado (leilão com lances ascendentes ou descendentes, por exemplo)[64], adoção de preços dinâmicos, como identificado em e-marketplaces privados[65] ou públicos[66] e a desnecessidade de requisitos de habilitação meramente cartorários, incompatíveis com a função para eles definida pelo constituinte, de indiciários de garantia do cumprimento das obrigações assumidas[67], para se optar por medidas de certificação prévia e ranking de fornecedores como elementos premiais, estimuladores de comportamentos desejáveis pela Administração Pública.
6. CONCLUSÕES.
Em síntese, a instituição de e-marketplaces públicos no Brasil é plenamente viável, no entanto mais desafiador do que os obstáculos tecnológicos, estão as amarras jurídicas que precisam ser transpostas para gerar celeridade e eficiências aos procedimentos licitatórios.
Impõe-se uma leitura econômica das contratações públicas, avaliando elementos como custos transacionais, assimetrias de informação e os incentivos produzidos, para que possamos buscar a inspiração necessária para a construção de modelos mais eficientes.
No que pese a atual Lei Geral de Licitações não estar conectada ao ambiente tecnológica atualmente vivenciado, no Brasil já foram produzidas normatizações que permitiram certa conexão das contratações públicas com o mundo eletrônico; contudo, ainda há muito a progredir.
Diversos países do mundo já adotam o e-marketplace para a satisfação de parte de suas contratações públicas. Através de suas experiências podemos identificar vantagens e prevenir eventuais riscos, para avançar o Brasil na construção deste importante ambiente de trocas, aperfeiçoando a satisfação das pretensões contratuais públicas.
É uma questão de tempo termos essa poderosa ferramenta que certamente trará considerável economia para as aquisições públicas e mais eficiência em todo o procedimento de compras públicas.
Fonte: http://www.olicitante.com.br/marketplace-sonho-distante/